quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

TERRORISTA de César Meneghetti - A manipulação como direito

Análise de 'Terrorista', exibido no 15º Vitória Cine Vídeo 04/12/2008 - 16h23 (Rodrigo de Oliveira)

Igual a quantos filmes "Terrorista" seria se mantivesse apenas o depoimento lúcido, emocionado e, no mais das vezes, já bastante cartografado pela história dos sobreviventes da luta contra a ditadura, igual a quantos filmes se não tivesse, exatamente, um cardápio de intervenções sobre este discurso que são só suas (ainda que baseada num universo gigantesco de referências)? A história de Percy Camargo Sampaio é feito muitas outras, professor militante que é preso, perseguido, exilado, vivendo na clandestinidade, perdendo amigos, família, identidades. Sua presença permanente diante da câmera, seu discurso que atravessa a totalidade do filme, estão ali para marcar o mínimo de diferença: por mais que seja uma história nascida de uma convulsão coletiva e compartilhada por milhares de outros perseguidos pela ditadura, é a própria figura única e ainda resistente de Percy que torna não sua história, mas o modo como ele mesmo a conta, algo digno de atenção e admiração. Uma admiração que esbarra num dos maiores problemas do documentário tradicional: quando Percy começa a chorar, se emocionar com as lembranças, deve a câmera perseguir a lágrima com um zoom, com uma aproximação, deve explorar essa imagem da comoção que se dá espontaneamente diante dela? "Terrorista" não resiste a isso, mas esta pequena intervenção ótica no registro é apenas um pequeno detalhe dentro de um grande painel de manipulações. E falamos aqui sem sentido pejorativo, mas literal mesmo: manipulação no sentido de que percebemos que César Meneghetti fez o filme "com as mãos", colocando e recolocando inserções gráficas, trechos de filmes clássicos sobre as ditaduras latino-americanas, áudio de discursos de políticos e militantes, num trabalho realmente manual. Espécie de tela contemporânea sobreposta à imagem documental mais conservadora, o filme que nasce dessa conjunção incorpora essa briga entre respeito cego e intromissão de maneira interessantíssima. A mais simples das inserções gráficas talvez seja a mais poderosa delas: usando o vermelho forte para colorir a tela e, eventualmente, esconder por completo a imagem ao vivo que se dá ali por trás, "Terrorista" se coloca, como nestes blocos de cor, entre a visão opaca da história e da memória e o trabalho ativo, obrigatoriamente manipulador, desse manancial de sentimentos e afetos.